terça-feira, outubro 26, 2004
Á defesa
Existem cada vez mais corações há solta, mais espaço e formas para se encontrarem. Apesar disso, o número de gente sozinha aumenta a um ritmo assustador.
Dentro deste grupo existe uma espécie em franco progresso: os celibatários. Gente que vive só, que se basta a si própria e que está contente com isso.
Contente? Talvez, mas... feliz? - tenho as minhas reservas.
Hoje mesmo, á conversa com um praticante desta doutrina, dei voz a algumas das minhas dúvidas:
Qual é o papel do "outro" na tua vida? Exceptuando os amigos, como é que manifestas os afectos, a partilha, a reciprocidade...? Amando carros e casas? Criando cumplicidades com vasos? Aniquilando os silêncios com uma agenda social eficaz?
Afinal de contas, quais são as prioridades (e será que não andam invertidas)?
A resposta, óbvia, não se fez tardar:
"...Tens razão, mas ao menos assim ninguém me chateia, nem me sinto preso ou obrigado a fretes.
Em tom irónico, remata ainda o célebre anúncio do leite ("Se não gostar de mim...") ao que contraponho com o do Wisky com "alma". Rimos!
E a conversa deriva para assuntos mais triviais!...
Percebo e respeito a argumentação do meu amigo apenas porque lhe conheço intimamente o percurso pessoal.
Não é díficil começar a desinvestir, quando os medos se sobrepõem ás vontades ou quando um passado de experiências menos boas interfere numa expectativa de futuro, condicionando-a.
É fácil dizer que não custa estar só; o díficil mesmo é acreditar nisso!
Este caso particular ilustra algo que vejo ganhar terreno e adeptos á minha volta: um “desnorte” afectivo generalizado, vítima dum acumular de carências e pulsões mal geridos que, aliados a uma forte dose de expectativas e ansiedade, conduzem invariavelmente á materialização nos alvos errados, originando mal-entendidos, processos de transferências complicadissímos e mazelas, por vezes, graves.
É um vazio pleno de objectivos num verdadeiro labirinto de paixões.
A oferta e procura diluem-se uma na outra e esta permeabilidade origina emissores que recebem, receptores que enviam, entre outras bizarrias da comunicação actual. A confusaõ é tal que a mensagem não passa e taopouco se faz sentir.
Surdos aos berros!
Há muito que se perdeu o "fio á meada" neste processo de culpabilização.
O perverso neste ciclo vicioso de causa/consequência é que mesmo quem não "joga á defesa" acaba por "levar por tabela".
Os poucos que estão em paz com o seu passado, que sararam as suas feridas e que partem "tabula rasa", leves, para novos "desafios" esbarram numa imensa população que alomba, em sofrimento "ad eternum", com armários cheios de fantasmas, gavetas mal fechadas, portas escancaradas e desgostos mal resolvidos.
Se os alicerçes emocionais do sujeito não estiverem devidamente estabilizados, este acaba por aprender o que não devia, o que não queria e, sobretudo, aquilo que não é justo: a ter mais medos, ser mais cauteloso, refrear os afectos, conter a impulsividade...o resultado é mais um inocente maculado; a longo prazo, outro celibatário que bate em retirada!
E assim torna-se dificil marcar"golos", mesmo instigando os "penalties", quando já nem sequer se entra em campo...
Contúdo, há ainda, e felizmente, quem insista em seguir para campeonato, em progredir no terreno e sonhar com a vitória.
Nesta partida desigual, o adversário chama-se aldeia global, barra, individualismo. É de facto uma aldeia, transvestida de metrópole, cheia de população isolada, confinada no espaço, com gente temerosa e alienada de si própria, distraida do que realmente importa.
A mesma população que, cínicamente, se diz feliz no seu cortiço...enquanto espera por golos em diferido.
São complicados estes tempos modernos...
e são solitários estes corações!
não posso resistir a comentar...pensei isto, senti isto tantas vezes já, um mundo de medo à nossa volta e se ousas ser temerário és louco, e certamente o teu sofrimento será depois triplicado.
Todos com os seus fantasmas, todos com as suas defesas, nem se entra em campo...antes mesmo disso acontecer tomam-se as medidas necessárias para remeter o q se sente para o esquecimento e seguir em frente.
que raio de mundo este em q é tão dificil partilhar, dar e receber?
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