quinta-feira, setembro 06, 2007

Efeméride

"Há 25 anos, por estranho que pareça, a Monarquia Britânica (britânica, não inglesa) era ainda uma instituição respeitável, e relativamente imune às pressões para se
"modernizar". Essa respeitabilidade impunha, entre outras coisas, que o príncipe de
Gales se casasse com uma virgem. Porquê? Para que ninguém a seguir se viesse gabar pelos tablóides de que tinha dormido com a futura rainha (ou mesmo, se Isabel morresse, com a rainha) e descrever coloridamente a coisa. Quando, para garantir a sucessão, o casamento de Carlos se tornou, por assim dizer, "inadiável", toda a gente se riu com o sarilho em que o desgraçado estava metido. Onde iria ele descobrir tal raridade? E quem seria ela? Foi Diana Spencer, uma jovem bonitinha, quase adolescente e pouco esperta, à volta de quem logo se inventou, para consumo dos media, uma história de amor melada e absurda.
O casamento, claro acabou mal. Carlos, coitado, que também não era uma grande cabeça, ao menos percebia o seu papel na ordem constitucional e na vida política.
Diana queria ser célebre e queria ser feliz, como qualquer pequeno-burguesa analfabeta e ambiciosa, ensopada no sentimentalismo popular do tempo.

Começou então o espectáculo de uma alta personagem do Estado, que pouco a pouco se transformou numa pop star e que os media naturalmente tratavam como uma pop star. Andava lá tudo: grandes costureiros, actores de cinema, jogadores de rubgy, "jornalistas" de escândalo, o inconcebível Elton John e a bulimia da praxe.

No meio disto, Diana, que romanticamente se achava "natural" e era de facto uma exibicionista indiscriminada e louca, pedia por favor a privacidade que ela própria anulara.
Com o divórcio e a querela com a Monarquia (um caso de puro ressentimento) veio a segunda encarnação de Diana na figura clássica do "anjo de caridade", muito habitual nas rainhas do século XIX. Visitou leprosos, drogados, doentes com sida; e passeou por Angola a fingir que desarmava minas. Mostrou aí um talento particular para o estilo touchy-feely, que disfarçava a irrelevância do exercício e comovia o público. Blair aproveitou a inspiração e fez dela uma improvável "princesa do povo". Do povo da televisão e dos tablóides, com certeza. Não por acaso os filhos comemoraram a morte da mãe em Wembley, com um concerto rock.

Ninguém representou como ela e egocentrismo, a vulgaridade e a superficialidade da época, de certa maneira, a cultura da democracia liberal em que vivemos."

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"A princesa do povo", crónica de Vasco Pulido Valente a 25 de Agosto de 2007 no jornal "Público".



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